Quando o valor da pessoa é determinado pelo seu modo de se comportar
- Ailton Amelio
- 8 de dez.
- 7 min de leitura
O valor de uma pessoa pelo modo de ser e se comportar
Quando falamos em “valor” de uma pessoa como parceira amorosa, é fácil pensar logo em dinheiro, aparência, nível cultural, currículo. Esses fatores existem, claro, e fazem parte do capital inicial: ajudam a definir com que grupos eu tenho chance real de me conectar (homogamia) e se eu passo ou não pelos filtros de veto (não ter características muito desmerecedoras ou intoleráveis).
Mas, dentro do campo dos elegíveis – isto é, entre as pessoas com quem há razoável semelhança em nível de vida, sem vetos graves – o que decide o jogo deixa de ser dinheiro, beleza ou títulos.
Passa a ser, sobretudo, o modo como a pessoa é e se comporta, momento a momento, e o efeito contínuo disso sobre quem convive com ela.
Podemos organizar essas fontes de valor em três grandes blocos:
Como a pessoa é – o seu modo de ser, sua energia, sua presença.
O que ela faz na relação – como trata, escuta, apoia e lida com o outro.
O prestígio que ela carrega – o valor simbólico de ser visto ao lado dela.
1. Capital de personalidade: valor pelo modo de ser
Aqui entram as qualidades que fazem alguém ser valioso pelo jeito de existir no mundo:
como lida com problemas e frustrações;
como aproveita a vida;
quanta energia coloca nas coisas;
sua capacidade de estar presente;
seu grau de responsabilidade;
sua independência e assertividade (sem agressividade);
sua abertura para ver coisas boas na vida, sonhar e agir;
ser batalhadora: querer algo e construir isso com esforço;
seu lócus de controle interno: sentir-se agente da própria vida;
sua disposição para expandir os limites do eu (aprender, evoluir, se transformar).
Esse conjunto produz algo que, em linguagem comum, chamamos de:
carisma,
charme,
magnetismo,
“vibração boa”.
Não estamos falando de perfeição, nem de alguém que vive num estado de euforia permanente.
Pontos importantes aqui:
Pessoas mais tranquilas, introvertidas ou contemplativas também podem ter alto valor de personalidade:
pela calma que transmitem,
pela profundidade com que pensam,
pela estabilidade e coerência,
pela delicadeza com que se relacionam.
O que conta não é ser “performático”, mas ser uma pessoa viva por dentro, com algum tipo de energia própria:
pode ser energia expansiva (quem agita, cria, puxa);
ou energia serena (quem organiza, acalma, oferece porto seguro).
Quando há homogamia básica (nível de vida, valores, estilo de mundo) e ausência de defeitos excludentes, esse capital de personalidade passa a ser decisivo.
É ele que faz alguém se destacar, dentro do universo em que ambos sabem que têm chance real de se escolher e ser escolhido.
2. Capital relacional: valor pelo que faço com e para o outro
É o aspecto mais falado nas redes sociais quando se discute “como melhorar relacionamentos”:
saber ouvir,
apoiar,
validar,
dar importância,
conversar com atenção,
querer o bem do outro,
ajudar materialmente quando possível,
ser confiável,
ser comprometido.
Isso tudo é, de fato, muito importante. É o que faz a pessoa ser boa companhia, boa amiga, boa parceira: alguém com quem posso contar e diante de quem posso me mostrar.
Mas há uma nuance crucial:
As mesmas ações têm pesos muito diferentes dependendo de quem as realiza.
Ouvir, validar e apoiar são ótimos.Mas:
quando isso vem de alguém que considero admirável, íntegro, carismático, que leva a vida com coragem e responsabilidade,
o impacto é bem diferente de quando vem de alguém em quem não confio, não admiro ou vejo como pouco consistente.
A mesma frase de apoio:
pode ser profundamente curadora se vem de alguém que eu respeito e cuja opinião valorizo;
ou pode quase não mexer comigo se vem de alguém que eu não levo muito a sério.
Por isso, capital relacional (o que faço pelo outro) e capital de personalidade (quem eu sou) não podem ser separados.
Na relação saudável:
eu não anulo o interlocutor;
reconheço seus méritos;
tento entender o que se passa com ele;
ajudo, dentro do possível, a se realizar.
Mas também:
não viro apenas um “prestador de serviço emocional”, que só valida, apoia, incentiva e se apaga.
o cuidar precisa ter limites para não virar servidão:
eu cuido do outro sem abandonar a minha própria vida e dignidade.
3. Capital simbólico: valor pelo prestígio que irradia
Uma terceira fonte de valor é o prestígio social que a pessoa carrega:
o respeito que ela tem no seu meio;
a admiração que desperta nos outros;
o reconhecimento de sua competência, ética, trajetória.
Estar com alguém assim costuma ser:
lisonjeiro (“alguém assim me escolheu”),
validante (“se essa pessoa me quer por perto, devo ter valor”),
um selo indireto de qualidade para quem está ao seu lado.
É natural que isso pese:
sentir que a pessoa é admirada, respeitada, bem-vista socialmente,
perceber que, de algum modo, estar com ela também comunica algo sobre mim.
Esse capital simbólico é real e conta. Mas tem dois lados:
Lado luminoso
Inspira crescimento (“quero ser alguém à altura desse vínculo”);
Dá orgulho de apresentar o outro;
Reforça a autoestima de forma saudável quando combinado com respeito mútuo.
Lado sombrio
Pode gerar relações assimétricas, em que um se sente “lá em cima” e o outro “sempre abaixo”;
Pode levar a idealização: “qualquer migalha dessa pessoa já está bom, porque o valor dela é enorme”;
Pode ser usado (consciente ou não) como instrumento de poder e manipulação:
“Você tem sorte de estar comigo”;
“Veja bem se quer perder alguém como eu”.
Por isso, é importante lembrar:
O prestígio aumenta o impacto das ações da pessoa – para o bem e para o mal.
Um elogio vindo de alguém muito admirado pode levantar o dia.Uma crítica ou rejeição, vinda da mesma pessoa, pode doer dez vezes mais.
Relações mais saudáveis tendem a caminhar na direção de:
admiração recíproca,
reconhecimento dos pontos fortes de ambos,
lugar para vulnerabilidades dos dois, sem um viver eternamente como “o inferior”.
4. Quando a homogamia está dada, quem decide o jogo?
Se coloco tudo isso junto, o quadro fica mais ou menos assim:
Primeiro, preciso passar pelos filtros básicos:
homogamia razoável (não estar muito acima ou muito abaixo do mundo do outro);
ausência de vetos fortes (características realmente desmerecedoras ou intoleráveis).
Dentro desse campo de elegíveis, o que começa a decidir o jogo é:
o meu modo de ser (capital de personalidade),
o meu modo de me relacionar (capital relacional),
o prestígio simbólico que carrego e a forma como lido com ele.
E, nesse ponto, é fundamental notar:
dinheiro, beleza, grau de escolaridade continuam importantes,
mas não são eles que atuam momento a momento na interação.
O que vai realmente:
prender a atenção,
me modificar,
me dar vida,
me fazer reagir e ser reagido,
é o jogo fino do dia a dia:
a vibração da pessoa;
a forma como ela olha para mim;
o tipo de atenção que concentra em mim;
o prazer (ou o desgaste) de estar na sua companhia;
a confiabilidade;
a construtividade;
a positividade sem negação da realidade;
a transparência;
a coragem de falar e ouvir coisas difíceis;
a maneira como tudo isso acontece sem me desmerecer, sem me pôr para baixo.
Quando encontro alguém assim – com base homogâmica adequada, sem vetos fortes e com esse tipo de presença e relação – é isso que, na prática, decide o jogo.
É com isso que eu convivo.É isso que está ativo momento a momento, continuamente, muito mais que a conta bancária ou o diploma pendurado na parede.
5. A combinação que torna o vínculo especial
Podemos resumir assim:
Um relacionamento se torna especialmente valioso quando, na experiência do cotidiano, se combinam pelo menos dois grandes movimentos:
“Estou com alguém que admiro”
pessoa com valor de personalidade e simbólico: íntegra, viva, responsável, interessante, com qualidades que respeito.
“Esse alguém que admiro realmente me considera”
me ouve,
me dá atenção,
leva minhas questões a sério,
quer o meu bem,
contribui para eu me realizar.
Quando essas duas coisas acontecem juntas:
não é só “alguém legal que cuida de mim”,
nem só “alguém admirável que mal olha na minha cara”.
É alguém de alto valor, aos meus olhos, que me escolhe e me trata como alguém valioso também.
Essa combinação é uma das grandes forças que explicam:
porque certos vínculos nos transformam;
porque certas relações, quando acabam, doem tanto;
porque às vezes aceitamos menos do que deveríamos, só para não perder a validação de alguém que consideramos muito.
O desafio, para quem pensa o amor de forma adulta, é construir relações em que:
ambos tenham valor e se vejam com respeito,
ambos recebam e ofereçam cuidado,
o prestígio de um não esmague o outro,
o cuidar não vire servidão,
e em que o “jogo sendo jogado momento a momento” seja, na média, algo que nos põe mais de pé do que de joelhos.
Devemos considerar ainda que, quando há o ponto de fusão, a pessoa perde a objetividade: o outro se torna valioso, insubstituível.
Aí, todas as coisas que ela faz ou deixa de fazer são reavaliadas; a gente perde a objetividade.
Quando a gente admira, quando a gente considera alguém um líder, um mito – isso também acontece no relacionamento amoroso e com filhos – o outro fica acima da crítica em grande parte.
Ele tem um valor tão grande que as coisas que vêm dele nós temos tendência a:– aceitar;– distorcer favoravelmente;– e, no caso das coisas ruins, diminuir, subestimar.
Nesse ponto, outros comportamentos são reavaliados favoravelmente ao parceiro.
Observações breves
Você introduz aqui um componente crucial: a distorção da percepção quando há fusão/apaixonamento intenso ou idealização.
O “ponto de fusão” (apaixonamento, amor parental, idolatria de líder/mito) faz o outro se tornar:
insubstituível,
acima da crítica,
um referencial absoluto.
Isso mexe diretamente com a análise anterior sobre valor:
antes, falávamos de atributos reais (modo de ser, modo de se relacionar, prestígio) e seus efeitos;
a partir de certo nível de apego e admiração, a mente passa a recalcular tudo a favor do outro:
ações neutras viram provas de valor;
ações ruins são minimizadas, racionalizadas, até invertidas.
Isso é praticamente a cristalização stendhaliana aplicada esse modelo:
o valor objetivo da pessoa importa, mas, depois do ponto de fusão, o valor subjetivo explode e distorce a leitura do comportamento real.
“Quando o valor explode: fusão, idealização e perda de objetividade”, mostrando como o mesmo mecanismo que dá força ao vínculo também aumenta o risco de cegueira, tolerância a maus-tratos e autoengano.
(Texto editado com a ajuda do ChatGPT)




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